Medidas apresentadas pelo governo só dão conta de dois desses três pontos e deixam o crédito de fora
O aumento nas vendas dos carros ditos “populares” no Brasil depende de três fatores principais. Um deles, talvez o que mais influencia na decisão de compra, não foi contemplado no pacote apresentado pelo governo federal.
Quando se fala em carro popular, os três aspectos principais são: produto, preço e crédito. Hoje, a gente pode afirmar que apenas a Fiat e a Renault tem modelos mais próximos do que a gente considera “popular”: Kwid e Mobi. Só nesse aspecto a gente percebe uma diferença grande em relação ao que era oferecido no ano 2000, por exemplo, quando as quatro principais fábricas instaladas no Brasil ofereciam quase dez modelos hatch com motor 1.0 e em versões consideradas populares.
Eram carros despojados, sem equipamentos como ar-condicionado e direção com assistência. Também não tinham de série freios ABS, airbag e outros equipamentos de tecnologia que hoje são obrigatórios para a segurança dos veículos. Só essas duas considerações mostram a grande diferença do item “produto” do tripé que estamos considerando neste texto. O carro popular de hoje não é e nem pode ser o mesmo de 20 anos atrás. As fábricas de hoje não são nem poderiam fabricar carros como 20 anos atrás.
O projeto apresentado pelo Governo Federal vai dar descontos para carros de até R$120 mil. Esse valor abriga boa parte dos modelos mais baratos a venda hoje no país e aumenta a oferta dos produtos que podem ficar mais acessíveis. Coloca na lista versões do Fiat Pulse, Toyota Yaris, HB20 e Onix, entre outros.

O segundo item É o preço. O valor dos carros aumentou muito nos últimos anos, um tanto em função da pandemia e da falta de equipamentos eletrônicos para os sistemas dos veículos. Muitos deles obrigatórios por lei, outros por exigência do consumidor, que não quer mais comprar um carro que não tenha por exemplo um sistema de mídia.

De acordo com as informações divulgadas pela Agência Brasil, o Ministério da Fazenda vai ter duas semanas após o anúncio para apresentar os parâmetros que serão usados em um decreto para reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e uma medida provisória para reduzir o PIS/Confins. Tudo isso precisa ser encaminhado para aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado.
Os descontos variam de 1,5% a 10,96%, de acordo com critérios de preço, eficiência energética e a quantidade de equipamentos e peças produzidas no Brasil. Por óbvio que qualquer desconto é uma boa notícia. Mas na prática, um carro de cem mil baixa para R$ 90 mil e segue inacessível pra muita gente. Além disso, em entrevista à Globo News, o ministro da Fazenda Fernando Haddad ressaltou que essas medidas devem valer por dois ou três meses, apenas para movimentar o setor.

O terceiro item do tripé do carro popular é o crédito. Se a gente voltar ao início dos anos 2000, quando o carro popular estava mais consolidado, a maior parte das vendas era financiada. Hoje, com a taxa Selic em 13,75% ao ano, mais de 60% das vendas de veículos novos são realizadas à vista. Isso não significa que tem mais gente pagando o carro todo no balcão da concessionária. O que há é menos gente comprando porque não pode financiar. E é justamente no crédito que não houve nenhuma medida apresentada pelo governo federal.
Para que o juro do financiamento caia, é preciso que a Selic baixe, por suas próprias pernas. Enquanto isso não acontece, a redução no preço dos carros pode dar uma folga a mais para quem tem grana à vista ir fechar o negócio. Mas não motiva ninguém a entregar o usado e sair com o carnê embaixo do braço.
Por enquanto, talvez o maior benefício disso não esteja nem na venda de carros novos e sim na redução do preço do carro usado, com queda nos valores da tabela Fipe. E o que pode também puxar para baixo os valores do IPVA, se a medida for estendida até o fim do ano.